DEZ AOS SOBRE A MORTE DA VIDENTE DE FÁTIMA, A ÚLTIMA DOS TRÊS PASTORINHOS- Parte I

Ir. Lúcia «nunca esqueceu que era um instrumento nas mãos de Deus»

Passam dez anos sobre a morte da Vidente de Fátima, a última dos três pastorinhos. Razão para a conversa com a Ir. Ângela Coelho, vice-postuladora da causa da canonização da Ir. Lúcia de Jesus. Uma conversa longa, mas entusiasmante, com uma das maiores conhecedoras da figura da Ir. Lúcia e da sua importância na história de Fátima e do mundo.
Dez anos depois, qual é o legado que a Ir. Lúcia deixa?
Deixa vários. Aquele que mais me surpreende, agora que contacto mais com ela na intimidade dos seus escritos, é uma mulher profundamente fiel a Deus tantos anos, e à missão que Deus lhe deixou, que foi difundir os pedidos de Nossa Senhora em Fátima, nunca baixar os braços até que ela achasse que os pedidos de Nossa Senhora foram cumpridos, de acordo com a vontade do Céu. Esta fidelidade numa vida cheia de peripécias e dificuldades, muita coisa que foi acontecendo, por vezes sem ela querer. Esta fidelidade, para nós, consagrados, que vivemos este Ano da Vida Consagrada, é isso mesmo: um modelo de fidelidade à vocação. Outro legado é a sua santidade muito particular. Não há dúvida que a Ir. Lúcia é uma Carmelita, e é no Carmelo que vai desenvolvendo os últimos traços da sua espiritualidade. Mas também toda a gente sabe que a espiritualidade que ela vive no Carmelo foi a que foi deixada pela Mensagem de Fátima. À medida que vamos lendo os seus escritos, mesmo os últimos que publicou, vamos vendo uma mulher profundamente trinitária. Uma visão correta da Mensagem de Fátima, que, por Maria, somos conduzidos ao centro do mistério cristão, que é a Santíssima Trindade, e do nosso deus que se faz presente em Jesus Cristo.

É uma vida que não é fácil. Se os pastorinhos Francisco e Jacinta têm uma vida curta, que fica como testemunho, a vida da Ir. Lúcia é mais longa, mais cheia de peripécias e dificuldades...
Sim, e isso suscita-nos uma série de reflexões interessantes. O Francisco e a Jacinta, com vidas tão curtas, conseguem condensar toda a espiritualidade da Mensagem de Fátima, que está lá. Eles, em muito pouco tempo, viveram as linhas de força da Mensagem de Fátima. A Lúcia tem uma outra história, uma outra missão e um outro tempo.
Ela é muito atenta ao que se vai passando na Igreja, como todas as carmelitas e religiosas de clausura, mais do que possamos pensar. É uma mulher muito inserida na vida eclesial, com uma vida cheia de peripécias, que vêm das visitas que recebe, que não são as visitas normais de uma carmelita. Ela é visitada pela família, mas depois por cardeais, bispos, chefes de estado, embaixadores, um conjunto de gente que a visita, sobretudo após a II Guerra Mundial e a Guerra Fria, vindos dos países de Leste, sobretudo os que podem começar a viajar, e que trazem ao seu coração de carmelita o sofrimento humano. Aquela mulher transportou no seu coração todo o sofrimento de todas as pessoas que a visitaram. Eu pude contar, assim por alto, 50 cardeais, prefeitos de Congregações como a Doutrina da Fé, do Clero, da Causa dos Santos, muitos bispos, sobretudo os que vêm a Fátima presidir às peregrinações internacionais.
Visitas que são pedidas por Lúcia?
Não, ela nunca convida ninguém para a visitar, é tudo por iniciativa de quem a deseja visitar. E ela regista tudo isto. A partir dos anos 40 ela passa a ter outro ministério, que é o ministério epistolar. Ela recebe milhares e milhares de cartas. Mais de 60 mil de certeza absoluta. Ela começa a guardar, por iniciativa dos superiores da Ordem, mas algumas ela queima, por respeito à privacidade dos autores.
E o que é que essas cartas continham?
Estas cartas trazem o sofrimento pessoal das pessoas. Chegam a ir peregrinações inteiras da Irlanda, Espanha, Itália e França que, além de Fátima, passam em Coimbra. Nós não nos apercebemos, mas Coimbra começa a ser lugar de peregrinação de quem vem a Fátima, e deixam-lhes saco cheios de pedidos. Ela lê-os todos, com ajuda de alguém que auxilia nas traduções, e que reza por aquilo tudo. Nós não fazemos a mínima ideia do que é uma senhora com mais de 70 anos a receber 60 mil cartas, não temos noção. Ela leva este ministério de oração muito a sério, mas sabe, e isto é muito bonito, que as pessoas a procuram não por causa dela, mas por causa de Nossa Senhora. Ela nunca esqueceu que é um instrumento nas mãos de Deus, um instrumento para que a misericórdia de Deus vá passando neste mundo tão magoado e tão frio. Isto para mim é um dos traços da grandeza da Ir. Lúcia.

Continua…  II Parte , III Parte e  Última Parte
Fonte: Aleteia

Postagens mais visitadas